O PODER DAS PALAVRAS SOBRE A SAÚDE
O trabalho dos americanos Bob Ader e Nick Cohen foi fundamental para elucidar ainda mais essas inter-relações. Eles mostraram que, mediante um estímulo externo, o sistema imunológico pode ser "ensinado a se anular". Ader e Cohen misturaram sacarina a um remédio anticâncer, que naturalmente baixa as defesas do organismo, e administraram o coquetel em ratos de laboratório. Depois de repetir o procedimento diversas vezes, eles ofereceram apenas sacarina às cobaias. Pois bem, mesmo sem a adição do medicamento, elas registraram uma baixa no sistema imunológico. Seu cérebro obedeceu a uma sugestão, obtida por meio de condicionamento. A conclusão dos pesquisadores: se algumas conexões de neurônios podem enfraquecer as defesas do corpo, existem aquelas que também servem para aumentá-las. Com esse experimento, explicou-se, por via inversa, o efeito placebo, descrito pela primeira vez cerca de três décadas antes. O efeito placebo é a melhora do paciente tratado à base de remédios inócuos. "Uma série de fatores propicia o efeito placebo. De todos eles, o mais importante é a expectativa do paciente", disse o médico canadense Grant Thompson, professor da Universidade de Ottawa e autor do livro The Placebo Effect and Health, em entrevista à repórter Giuliana Bergamo. "Não é uma pílula de farinha ou de açúcar que faz um paciente melhorar, e sim o que esse paciente espera dela. Diversos estudos já mostraram que, quando se acredita na eficácia do tratamento, ele funciona muito mais."
Uma pesquisa fascinante acerca das benesses das emoções positivas sobre a saúde orgânica foi conduzida por estudiosos da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos. Por quinze anos, eles acompanharam 678 freiras, com idade acima de 75 anos. Interessados em estudar a doença de Alzheimer, avaliaram a história pessoal e médica de cada uma delas. Ao analisarem diários escritos pelas religiosas quando elas eram bem jovens, os pesquisadores perceberam que as que utilizavam em seus relatos uma maior quantidade de palavras ligadas a emoções positivas – como felicidade, amor, gratidão e esperança – haviam chegado com mais saúde à velhice do que as que costumavam usar grande número de vocábulos com significados negativos – como tristeza, indecisão e vergonha.
O "EU INTERIOR" APAGADO NO LABORATÓRIO
Para o reconhecimento da psicossomática, deu-se um passo decisivo na década de 90, com o surgimento de máquinas capazes de flagrar o cérebro em pleno funcionamento. Graças a esses aparelhos, conseguiu-se verificar que as emoções e as sensações são fenômenos físicos, que ocorrem em lugares específicos do cérebro. Para desilusão dos metafísicos, a ligação mente/corpo não é etérea, mas quase palpável. Na década de 90, o físico inglês Francis Crick (1916-2004), o gênio da dupla Crick-Watson que descobriu a forma de hélice do DNA, deu um passo gigantesco na aproximação de corpo e mente. Crick classificou os pensamentos e emoções de acordo com as ondas cerebrais que produziam. A alegria e a tristeza, o doce e o amargo, o claro e o escuro são sensações que produzem registros de ondas cerebrais tão distintas quanto as impressões digitais. De todas as medidas de Francis Crick, a mais estupenda foi a da freqüência da onda que o cérebro dos seres humanos utiliza para definir a consciência – ou seja, a individualidade, o dom de saber que você é você e o outro é o outro. A autoconsciência, descobriu Crick, é expressa por ondas cerebrais de 40 hertz. Em experimentos de laboratório Crick conseguiu algo antes inimaginável. Com a ajuda de eletrodos, o gênio do DNA banhou o cérebro de alguns voluntários com ondas de 40 hertz de picos invertidos. As ondas simétricas que os eletrodos de Crick injetaram no cérebro dos voluntários anularam as ondas da autoconsciência. Resultado: os voluntários continuaram com as mesmas habilidades mentais que possuíam (jogar xadrez ou falar idiomas, por exemplo), mas não mais sabiam quem eram. Seu "eu interior", com toda a riqueza de amores, emoções e auto-estima, foi momentaneamente anulado por um mero impulso elétrico externo.
Os pesquisadores estão empenhados agora em deslindar melhor as relações entre o sistema nervoso central e o imunológico e endocrinológico. Eles não têm mais dúvidas de que a comunicação de hormônios, moléculas e células de defesa pode sofrer influência direta da psique. Erros nessa comunicação podem levar ao surgimento de doenças auto-imunes, como alergias, e infecções de todos os tipos. Também podem causar fobias, pânico e depressão. "Nós estamos começando a entender a relação de interdependência entre o cérebro e o sistema imunológico – como eles ajudam um ao outro a se manter equilibrados e como o mau funcionamento entre ambos produz doenças", disse a VEJA a médica americana Esther Sternberg, uma das principais pesquisadoras em medicina psicossomática, autora do livro The Balance Within: the Science Connecting Health and Emotions (em português, algo como O Equilíbrio Interno: a Ciência Conectando a Saúde e as Emoções).
Entre as alternativas psicológicas que comprovadamente ajudam a evitar doenças e aceleram a recuperação física estão a psicanálise, a meditação e as terapias cognitivas comportamentais. Estas últimas sofreram impulso nos últimos anos, pelo fato de proporcionarem bem-estar de maneira rápida. O que importa, para seus seguidores, é ensinar o paciente a evitar a cadeia de reações emocionais que leva o corpo a responder com sintomas físicos. A meditação, por sua vez, visa a acalmar a mente das atribulações cotidianas. O estudo mais recente nesse campo submeteu pacientes cardíacos à técnica e comprovou que eles se beneficiaram de uma redução da pressão sanguínea. A hipótese é que a meditação modula a resposta do sistema nervoso ao stress. Nenhuma dessas duas técnicas, no entanto, age na raiz dos problemas psíquicos – ou seja, a história pessoal de cada um e os conflitos causados por ela. Esse papel cabe à psicanálise, que demanda tempo, disposição e dinheiro para que o paciente se aventure na tortuosa via do autoconhecimento.
O caminho para a psicossomática está aberto em definitivo, graças à associação entre médicos e psicólogos. Mas, apesar de todas as descobertas, ainda há muito por trilhar. Uma doença não é um episódio único. É fruto de uma história de vida. Sabe-se que há fatores ambientais e genéticos que são decisivos no aparecimento de uma doença – entre eles, idade, fumo, obesidade, sedentarismo. Qual o peso, contudo, de um luto no sistema imunológico de uma pessoa? Como medir quanto uma separação conjugal debilita o organismo? O poder da sugestão mental sobre a saúde foi objeto de uma frase famosa do escritor francês Stendhal, autor do clássico O Vermelho e o Negro. Ele afirmou que "nomear uma doença é apressar-lhe o progresso". O contrário – nomear uma cura para que a saúde se restabeleça – é uma hipótese que pertence tão-somente ao terreno da religião. O que os cientistas acreditam é que, num futuro não tão distante, será possível auscultar o cérebro para evitar que doenças atravessem a alma e desintegrem o corpo.